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Primeira parte da minha polêmica nas páginas do Observatório da Imprensa com o auto-intitulado filósofo Olavo de Carvalho, ignorante em ciência e defensor do criacionismo.

Acima: Ictiossauro fóssil no Museu de História Natural de Vienna (Naturhistorisches Museum Wien, Photo: j.colucci)

O FANTASMA DE DARWIN – PARTE 1

Publicado originalmente no Observatório da Imprensa de 20 de julho de 2004 – Edição 286

 

Criacionismo é a noção de que os seres vivos foram criados tal qual são pelo criador onipotente. Se o leitor pensa que essa é uma esquisitice americana que jamais chegará aos trópicos, é melhor pensar de novo. Graças aos esforços de religiosos fundamentalistas, o criacionismo começa a organizar-se no Brasil.

Uma vez que os criacionistas não fazem ciência, e não contam com o suporte de evidências, pesquisas e teorias minimamente plausíveis, sua obsessão é criticar a evolução e os evolucionistas, ou o que percebem como falhas nestes. Para essa tarefa contam com a ajuda ocasional de um ou outro ignorante em ciência que os defende na imprensa com fervor, digamos, religioso. Lendo “O Globo” descobri que, no Brasil, o filósofo Olavo de Carvalho se presta a esse papel.

Em duas colunas recentes (“O Globo”, 26-06-04 e 10-07-04), Olavo de Carvalho mistura lugares comuns criacionistas com a sua conhecida obsessão anticomunista. Olavo de Carvalho não mereceria atenção não fosse a atração que exerce sobre os que confundem retórica com erudição e falta de civilidade com coragem intelectual.

 

O construtor de bonecos de palha

No jornal “O Globo” de 26-06-04, Olavo de Carvalho implica com a afirmação de Richard Dawkins para a Veja (edição 1859, 23 de junho de 2004) de que “o mundo teria mais paz se todas as religiões fossem abolidas”. Dawkins não disse isso. A frase que aparece na entrevista é “se pudéssemos abolir a religião ou convencer as pessoas de que suas religiões são ilusões, provavelmente não teríamos mais atentados suicidas.” O cabeçalho da entrevista diz que, para Dawkins, “os homens viveriam melhor sem crenças religiosas”, mas a frase é do editor, não de Dawkins. Tomar liberdade com as palavras alheias, neste caso, é o menor pecado de Olavo de Carvalho. É possível que Dawkins até concordasse com a afirmação que Olavo de Carvalho lhe atribui. Constrangedora mesmo é a argumentação que o filósofo usa para refutar a suposta tese de Dawkins.

Olavo de Carvalho, de maneira típica, começa por desqualificar o oponente. Confessa que não sabe julgar o trabalho científico de Dawkins, mas não se exime de acusações levianas. Diz que a maior realização científica de Dawkins parece “ter sido inventar figuras computadorizadas e tomá-las como criaturas vivas”. Essa não foi a maior realização científica de Dawkins – um cientista com currículo brilhante em sua especialidade, a etologia –, mas ainda assim uma contribuição pioneira no campo dos chamados algoritmos genéticos. Nada mau para quem se declarou, como o fez Dawkins, um amador na área de programação de computadores.

Dawkins criou os biomorfos – algoritmos que interagem com o ambiente e entre si, e dão origem a figuras que se parecem com seres vivos – para mostrar que a complexidade pode se originar da simplicidade. Os biomorfos ilustram um princípio do darwinismo: a evolução resulta da sobrevivência não-aleatória de variações aleatórias em estruturas replicadoras. O famoso evolucionista Ernst Mayr, que completou cem anos neste mês de julho, resumiu a evolução como um processo de duas etapas: (1) variações produzidas; (2) variações selecionadas.

 

Milton usa a estratégia conhecida como “boneco de palha”: constrói um simulacro ridículo das idéias do adversário – o boneco de palha – e o destrói para cantar vitória. O fato de Olavo de Carvalho impressionar-se com isso diz muito a respeito de sua capacidade de entender conceitos científicos.

 

Para ajudá-lo na missão de desqualificar Dawkins, Olavo de Carvalho traz à cena Richard Milton, que ele admira por “ter reduzido a nada” as idéias do autor de “O relojoeiro cego”. Milton é jornalista e mantém um website chamado “Alternative Science”. Aceitar a autoridade de Milton em assuntos científicos é confessar de público ser ainda mais ignorante do que este em evolução, ou melhor, ainda mais ignorante do que as fontes de Milton – autores notoriamente comprometidos com o criacionismo bíblico. O livro de Milton citado por Olavo – “Shattering the myths of Darwinism” – está repleto de erros conceituais e já foi devidamente criticado pelo próprio Dawkins. Vamos ao que Olavo de Carvalho considera a análise demolidora de Milton.

Milton argumenta que as figuras computadorizadas de Dawkins, os biomorfos, não “evoluem” por si mesmos, mas possuem por trás de si um criador – o próprio Dawkins. Assim, os biomorfos seriam mais próximos da “criação especial” – um eufemismo para “Deus criou o mundo conforme diz a bíblia” – do que da evolução. Nessa análise Milton revela a sua incompreensão básica do experimento e da tecnologia de simulação digital.

Nos algoritmos usados por Dawkins para gerar os biomorfos, apresentados em “O relojoeiro cego”, o operador supre o parâmetro chamado função de aptidão (fitness function). A ação do operador representaria não o criador, mas as pressões ambientais. As variações continuam sendo aleatórias, como não querem ver os criacionistas. Dawkins manipulou a função de aptidão para favorecer figuras semelhantes a criaturas vivas e tornar a demonstração mais dramática. Isso não tira o mérito da análise, pois outros critérios poderiam ser adotados, alguns sem intervenção humana direta. Na natureza, o ambiente produz as condições que favorecem a sobrevivência de um bico mais longo, um pescoço mais comprido, um cérebro maior. Desde a simulação de Dawkins, algoritmos genéticos mais aperfeiçoados foram desenvolvidos e aplicados com sucesso a problemas que não se parecem em nada com criaturas vivas.

Milton usa a estratégia conhecida como “boneco de palha”: constrói um simulacro ridículo das idéias do adversário – o boneco de palha – e o destrói para cantar vitória. O fato de Olavo de Carvalho impressionar-se com isso diz muito a respeito de sua capacidade de entender conceitos científicos. O resto do artigo, infelizmente, é ainda pior.

 

Filhos bastardos

Olavo de Carvalho diz que evolucionismo foi o pai do comunismo e do nazismo. Essa é uma estranha definição de paternidade. Aplicada com a liberalidade com que faz Olavo, ela geraria um sem número de filhos bastardos. Poderíamos dizer, usando argumentação igualmente falaciosa, que o cristianismo inspirou o nazismo. Os soldados da SS traziam na fivela do cinto a inscrição “Gott mit uns” (Deus está conosco). No “Mein Kampf”, Hitler diz ser cristão. Em 1933, ao assinar o tratado com o Vaticano, afirmou que “a instrução moral sem uma fundação religiosa é construida no ar”. Em 1934, quando combatia bolcheviques ateístas, Hitler reafirmou a sua condição de católico.

A influência dominante no nazismo é o chamado darwinismo social – uma ideologia racista que Olavo de Carvalho confunde com o darwinismo propriamente dito. O que foi chamado de darwinismo social por volta dos anos 30 já existia antes de Darwin, nas idéias de Herbert Spencer. Em “Social Statics”, de 1850, Spencer afirma que as condições sociais modernas favorecem a multiplicação dos menos aptos. Como muitos outros, Spencer, em sintonia com o cientificismo de seu tempo, não deixou escapar a oportunidade de tomar emprestada a respeitabilidade científica da evolução para a sua ética. Foi Spencer, e não Darwin, quem cunhou a expressão “sobrevivência dos mais aptos”. Spencer propalava a liberdade individual e a não-intervenção do estado na sociedade, para não aumentar artificialmente a chance de sobrevivência dos inaptos. O médico Francis Galton, primo de Charles Darwin, deu um passo além, propondo a esterilização dos menos aptos (eugenia negativa) e o estímulo à reprodução dos mais aptos (eugenia positiva).

O emaranhado histórico-político-social em que o darwinismo social foi envolvido a partir do fim do século 19 não é coisa para se descrever em dois parágrafos. Por ora, basta dizer que as idéias de Spencer e Darwin passaram pela América antes de chegar aos nazistas. A eugenia, concebida por Galton como uma especulação intelectual a partir da extrapolação indevida das idéias de Darwin, foi levada à prática nos EUA. Eugenistas americanos, notadamente os membros da Human Betterment Foundation e da American Eugenics Society, preocupavam-se com o crescente influxo ao país de raças tidas por eles como inferiores. Exerceram pressão para favorecer a imigração de tipos nórdicos – louros e louras de olhos azuis. Alguns estados americanos adotaram programas de esterilização compulsória dos menos aptos. Por isso mereceram o elogio de Hitler, que tomou o programa americano de eugenia como exemplo a ser seguido. Nas mãos dos carrascos nazistas a proposta de Galton chegou à expressão derradeira.

 

Darwinismo e comunismo

A relação entre darwinismo e comunismo é mais nebulosa. O ataque furioso do clero e do estabelecimento científico após a publicação de “A origem das espécies” fizeram de Charles Darwin um herói instantâneo da esquerda. No entanto, é falso o relato que diz que Karl Marx quis dedicar-lhe o Das Kapital, citado por muitos autores. (Richard Dawkins, “A devil’s chaplain”, 2003)

Apesar da simpatia que lhe dedicavam, Marx e Engels foram críticos da teoria da evolução de Darwin. Para Engels, o darwinismo era apenas “uma primeira expressão, imperfeita e provisória, de um fato recém-descoberto”. Mal sabia Engels o quanto estava errado. A evolução é uma das idéias mais duradouras da história da ciência. Disse Ernst Mayr que discussões recentes sobre a evolução – genes egoístas, seleção de grupo, equilíbrio pontual, descobertas da biologia molecular – não mudaram os conceitos básicos de Darwin.

Marx e Engels tinham a pretensão de fundar o socialismo científico, cujas proposições seriam testáveis, como as do darwinismo. Disse Engels: “assim como Darwin descobriu as leis da evolução na natureza orgânica, Marx descobriu as leis da evolução na história humana”. Não é possível estabelecer conexão mais substanciada entre darwinismo e marxismo do que essa, e a única conclusão a que se chega através dela é que Marx e Engels admiravam Darwin. Só.

A afirmação de Olavo de Carvalho de que o evolucionismo foi o pai do comunismo é um lugar-comum dos fundamentalistas cristãos americanos, e não se sustenta. Uma teoria científica só é valida para condições bem especificadas. Não é possível transplantá-la para condições diversas somente pelo fascínio intelectual que exerce. E poucas descobertas científicas fascinaram tanto os homens quanto a evolução. Nota: evolução não é, estritamente, a mesma coisa que darwinismo. Uso os termos de maneira intercambiável para simplificar.

O problema comum dos que tentaram aplicar o darwinismo a outras esferas – como Spencer, Galton, Marx, Engels e Mao – é a noção distorcida do significado de progresso no contexto evolutivo. A evolução natural postula a sobrevivência diferencial dos organismos mais bem adaptados ao ambiente; as teorias sociais inspiradas por ela assumem que esses organismos são também ontologicamente superiores. Assim, no modelo historicista de Marx, a sociedade humana evoluirá da sociedade feudal à socialista, passando pelo capitalismo. O novo homem comunista surgirá – uma criatura de infinita bondade, sempre pronta a trabalhar por seus camaradas. Como se vê, o poder preditivo do darwinismo revelou-se um tanto superior ao do marxismo.

De qualquer forma, a afirmação de que o darwinismo é o pai do comunismo é – estou procurando um termo educado – ridícula. Dizer, como diz Olavo de Carvalho, que a leitura de “A origem das espécies” inspirou a vocação revolucionária de Hitler e Stalin é como dizer que a leitura da bíblia despertou a vocação racista do Ku Klux Klan.

Darwin sabia quem seriam os seus inimigos – a Igreja, o status-quo da Inglaterra vitoriana, os criacionistas, seus próprios parentes – mas jamais poderia adivinhar quem seriam os seus amigos, principalmente os que ganhou após a morte. E estes foram muitos, alguns bastante inconvenientes.

O darwinismo foi apropriado para explicar uma gama imensa de posições políticas e doutrinas sociais, de esquerda e direita. Defensores do individualismo, socialismo, militarismo, pacifismo, economia de mercado, intervenção do estado na economia, religião e agnosticismo extraíram de Darwin, nem sempre de forma pertinente, a justificativa de que precisavam para a sua ideologia.

 

Darwinismo e religião

Era difícil ser ateísta antes de Darwin, ainda que Hume o tivesse sido. O argumento teleológico de Paley, de que a perfeição do universo natural pressupõe a existência de um criador, é elegante e difícil de refutar sem as evidências da evolução. A teoria da evolução de Darwin-Wallace, no entanto, não deixou saída para os religiosos. A menos que se aceite uma forma não-darwiniana de teologia da criação, o homem evoluiu de acordo com os mecanismos descritos por Darwin.

Isso não quer dizer que darwinismo seja sinônimo de ateísmo. Religiões majoritárias, como as correntes liberais do protestantismo, o catolicismo, e o judaísmo não-ortodoxo não o julgam incompatível com a fé. Alguns evolucionistas famosos foram religiosos. Dobzhansky se ajoelhava e rezava à Deus todas as noites. No entanto, essa postura exige uma interpretação mais alegórica da bíblia do que a usual entre os cristãos, ou uma extraordinária capacidade de conviver com a contradição. O fantasma de Darwin ainda assombra muita gente.

Não sei onde Olavo de Carvalho achou as estatísticas para os “milhares” de cientistas e professores anti-evolucionistas demitidos pela “inquisição darwiniana”, mas as desconheço. Aparentemente, também a desconhecem as dezenas de fontes criacionistas que pesquisei na Internet. Isso é estranho, pois os criacionistas não são dados a sofrer em silêncio. A verdade é que a maioria dos criacionistas não chega a graduar-se em ciências naturais. Um geólogo que pense que o universo foi criado em sete dias ou uma bióloga que acredite que Deus fez o homem do barro não têm muito a acrescentar ao único livro de sua bibliografia.

Em notável contorcionismo verbal, Olavo de Carvalho tenta demonstrar que o darwinismo contribuiu para o extermínio das vítimas do nazismo e do comunismo. Diz ainda que o ideal anti-religioso de Dawkins foi posto em prática por ambos, causando a morte de padres, rabinos, pastores e devotos. Fica difícil conter a indignação. Fugirei de analogias fáceis e deixarei o próprio Dawkins defender-se:

“Como cientista acadêmico, sou um darwinista apaixonado, e acredito que a seleção natural é, se não a única força por detrás da evolução, certamente a única força capaz de produzir a ilusão de propósito que emociona os que contemplam a natureza. Mas ao mesmo tempo em que defendo o darwinismo como cientista, sou ardentemente antidarwinista quando se trata de política ou da condução dos negócios humanos.” (Richard Dawkins, “A devil’s chaplain”, 2003 – tradução minha)

Isto é, Dawkins é exatamente o contrário do que Olavo de Carvalho quer que ele seja, e entende a diferença entre a ciência do darwinismo e a pseudociência do darwinismo social. Diz Dawkins que, dentre todas as criaturas, o homem, e só o homem, pode liberar-se da ditadura dos genes egoístas. Ser ateísta ou anti-religioso não significa ser imoral. Como disse Arthur Clarke, é possível que a maior tragédia da história humana tenha sido o seqüestro da moralidade pela religião.

O colunista conclui dizendo que “a cara-de-pau desse sr. Dawkins chega a ser admirável”. Errado. Cara de pau tem o Sr. Carvalho, um filósofo que cita pseudocientistas, critica o que não leu e não entende o que leu.

 

A fuinha mutante

A essa altura o leitor já está cansado. Eu também. Mas não o Olavo de Carvalho, que insistiu na crítica a Dawkins, ao que parece a sua mais recente obsessão. Em “O Globo” de 10-07-04, Olavo de Carvalho confessa que mentiu aos leitores. Diz que podia, sim, julgar a obra científica de Richard Dawkins. O que vem a seguir desmente essa afirmação e mostra que Olavo de Carvalho é um mentiroso que não sabe que mente. Acho que isso tem nome.

Olavo de Carvalho argumenta que uma das simulações descrita em “O relojoeiro cego” é exemplo do que ele chama de “paralaxe cognitiva”, que consiste no erro de assumir que são de fato separados elementos que foram distanciados apenas por facilidade de método. Cometeria esse erro o cientista que, por exemplo, planejasse um experimento sem perceber que o resultado final já estava embutido em sua preparação, e não poderia ser outro senão aquele. Será que Dawkins faz isso mesmo? Vejamos.

Richard Dawkins, fotografado por José Colucci (2006)

Richard Dawkins, fotografado por José Colucci (2006)

 

Como bom inglês, Dawkins usa uma frase do Hamlet – “METHINKS IT IS LIKE A WEASEL” – (me parece uma fuinha) para mostrar o poder da seleção cumulativa. O conceito chave aqui é seleção cumulativa. Se a seleção natural operasse ao acaso, e cada mutação partisse do zero, como um novo lance de dados, a evolução seria impossível na escala de tempo do universo. Mas a seleção opera cumulativamente, e cada nova mutação se dá sobre material selecionado a partir da mutação anterior.

Na simulação, Dawkins parte de uma seqüência de 28 letras e espaços escolhidos aleatoriamente dentre os caracteres do alfabeto ocidental. A seguir o computador é programado para introduzir pequenas mutações aleatórias e selecionar a frase “mutante” que mais se aproxime, ainda que minimamente, da frase original de Shakespeare. Os critérios de semelhança programados por Dawkins baseiam-se na distância relativa entre as letras e o tamanho das palavras. O processo é repetido indefinidamente até que as “mutações” reproduzam a frase original.

A simulação, como dissemos, não pretende demonstrar como a evolução funciona, e sim o poder da seleção cumulativa. Deixemos o próprio Dawkins explicar:

“… apesar de útil para explicar a diferença entre seleção de passo único e a seleção cumulativa, o modelo é ilusório sob vários aspectos. Um deles é que, a cada nova “linhagem” seletiva, a “prole” de frases mutantes foi julgada por sua semelhança com um alvo ideal e distante: a frase “METHINKS IT IS LIKE A WEASEL”. A vida não é assim. A evolução não tem objetivos de longo prazo. Não há alvo distante ou perfeição final que sirvam como critério para a seleção, a despeito do apego que a vaidade humana tem pela noção absurda de que a nossa espécie é o alvo final da evolução. Na vida real, o critério para a seleção é sempre de curto prazo: a sobrevivência pura e simples ou, mais comumente, a reprodução.” (Richard Dawkins, “The blind watchmaker”, 1986 – tradução minha).

Reincidente, Olavo de Carvalho traz à cena Werner Gitt. Ah!, a companhia com que temos de privar quando nos afastamos do caminho da racionalidade. O homem que tanto impressionou Olavo de Carvalho é o autor de “Deus usou a evolução?”, “Se os animais falassem”, “No princípio era a informação”, e outros livros criacionistas. Gitt não entendeu Dawkins, mas o pior é que Olavo de Carvalho sequer entendeu Gitt, pois diz em sua coluna que “as letras e espaços da frase escolhida por Dawkins são precisamente os sinais necessários para escrevê-la. Não são. São todos os caracteres do alfabeto mais o espaço. Nem Gitt cometeu esse erro. Os caracteres do alfabeto poderiam ser comparados (com muita licença poética) aos genes que codificam a informação no genoma. Ou talvez às bases. Toda a informação é armazenada no genoma com apenas quatro “letras” químicas. A seleção natural sempre opera a partir de informação preexistente.

Nada contra o uso da ironia, mas, quando esfaimada pela ignorância, a ironia se engasga com o próprio rabo.

Vladimir Nabokov

Gitt diz que o propósito da simulação de Dawkins é “mostrar que informação verdadeira pode ser gerada por processos naturais de mutação e seleção, sem a ajuda da inteligência”. Quem leu o original de Dawkins, ou mesmo o trecho acima, sabe que esse nunca foi o propósito da demonstração. Novamente a falácia do boneco de palha. Como chamaríamos então a falácia de Olavo de Carvalho? O boneco do boneco de palha?

Na ânsia de criticar Dawkins, Olavo de Carvalho não o leu com atenção, se é que o leu. E termina a crítica com uma boutade. Diz que Dawkins “é a entropia em forma humana” e por isso tem tantos admiradores, pois “eles se multiplicam entropicamente”. Nada contra o uso da ironia, mas, como disse Nabokov, quando esfaimada pela ignorância a ironia se engasga com o próprio rabo.

 

Dawkins

De todas as teorias científicas, a que atrai o maior número de oponentes é a evolução; de todos os evolucionistas, o que mais atrai a ira dos criacionistas é Richard Dawkins. Mas Dawkins é uma figura difícil de demonizar; goza de prestígio tanto entre cientistas quanto entre o público leigo, é culto e inteligente, é dono de uma prosa concisa e elegante. Dawkins é odiado pelos pseudocientistas pela clareza com que combate os seus argumentos irracionais; pelos fundamentalistas pela defesa eficiente da evolução contra a interpretação literal do Gênese; por muitos religiosos por seu ateísmo assumido sem desculpas.

Olavo de Carvalho diz estar reservando para Dawkins um capítulo inteiro de seu estudo sobre a paralaxe cognitiva. Olavo de Carvalho deveria aprender ciência e poupar-se do vexame. Não que Dawkins esteja acima da crítica. A ciência que ajudou a fundar, a memética, embora interessante e promissora, ainda está longe de ter a sólida fundação empírica da evolução natural. Dawkins rejeita a seleção de grupo, que Mayr aceita, embora ambos admitam que o indivíduo seja o alvo principal da seleção. Algumas opiniões de Dawkins sobre assuntos sociais são, no mínimo, polêmicas. Criticar Dawkins, porém, requer mais do que um Olavo.

 

O Fantasma de Darwin – Parte 2

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A POLÊMICA

 

Introdução


O fantasma de Darwin – Parte 1

José Colucci Jr.

Observatório da Imprensa

20 de julho de 2004 – Edição 286


Resposta a um fantasma de Boston (1)

Olavo de Carvalho

Observatório da Imprensa

3 de agosto de 2004 – Edição 288


Resposta a um fantasma de Boston (2)

Olavo de Carvalho

Observatório da Imprensa

7 de setembro de 2004 / – Edição 293


O fantasma de Darwin – Parte 2

José Colucci Jr. (*)

Observatório da Imprensa,

5 de outubro de 2004 – Edição 297


Novos blefes de um vigarista contumaz

Olavo de Carvalho

(resposta de José Colucci Jr. ao fim da página)

Observatório da Imprensa

19 de outubro de 2004 – Edição 299

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