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Por que há momentos — uma tarde, uma noite, uma semana — que ficam eternizados na memória enquanto a maior parte da vida passa tão depressa?

Longa é a tarde, breve é a vida

 

Tom Jobim certamente me perdoará pela liberdade que tomei para com a belíssima letra de “Querida” no título deste artigo. De fato, longa é a tarde, tão breve a vida. Mas a questão é: por que há momentos — uma tarde, uma noite, uma semana — que ficam eternizados na memória enquanto a maior parte da vida passa tão depressa? E ainda, por que o tempo passa mais rápido para os mais velhos? Haverá alguém com mais de 30 anos que duvide disso?

A existência dessa percepção relativa do tempo segundo a idade já foi comprovada experimentalmente. Wittman e Lenhoff, pesquisadores da Universidade Ludwig Maximilian, de Munique demonstraram que jovens e velhos percebem a passagem do tempo de modo diferente. O fenômeno é mais nítido quando se trata de períodos longos, anos ou décadas, e não de horas ou dias. Para a maioria dos participantes acima de 40, o tempo parece passar mais rápido do que quando eram crianças.

Paul Janet, filósofo, professor da Sorbonne, já tinha dito o mesmo em 1877, na Revue Philosophique [1]:

“Quem já conta com alguns lustros na memória só precisa consultar a si mesmo para descobrir que os últimos cinco anos se passaram muito mais rapidamente do que os cinco anos que os precederam. Pense em seus oito ou dez anos de escola: o espaço de um século. Compare-os com os últimos oito ou dez anos: o espaço de uma hora.”

Paul Janet explica que um ano é 100% de sua vida quando a sua idade é de apenas …um ano, 50% quando você tem dois anos e 0,25% quando você tem 40. E assim por diante. Partindo das ideias de Paul Janet, o designer visual Maximilian Kiener criou uma interação digital fascinante [2] sobre essa percepção. Brincando um pouco com ela, é fácil entender a compressão do tempo de que fala Janet.

Mas não é só a idade. Importa também a qualidade da experiência que estamos tendo. Albert Einstein, em um momento de bom humor, explicou isso ao se confrontar com a inevitável pergunta sobre a relatividade do tempo:

“Botar a mão em um forno quente por um minuto parece uma hora. Sentar em um banco de jardim por uma hora com uma garota bonita parece um minuto. Isso é relatividade.”

Ao contrário da sua Teoria da Relatividade na física, essa relatividade psicológica do tempo de que fala Einstein é fácil de entender. Bons momentos passam em um piscar de olhos e maus momentos parecem durar uma eternidade.

 

Tempo prospectivo e retrospectivo

Nós, humanos, estimamos a duração de um evento sob dois pontos de vista diferentes: o prospectivo, quando o evento ainda está ocorrendo, e o retrospectivo, quando este já acabou. O tempo que passamos em uma atividade agradável é mais rápido prospectivamente — o que é bom logo acaba —, mas é mais lento retrospectivamente. Atividades nunca antes experimentadas, informações novas, aceleram o tempo enquanto estamos engajados nelas (tempo prospectivo), mas o fazem parecer mais longo quando nos lembramos delas mais tarde (tempo retrospectivo). A razão, segundo os pesquisadores, é que quanto mais lembranças são codificadas na memória, isto é, quanto mais virmos ou experimentarmos coisas nunca vistas, mais tempo parece ter passado em retrospecto. Nosso cérebro tem que codificar na memória apenas as experiências novas. As antigas já estão gravadas lá.

Para a psicóloga inglesa Claudia Hammond, esse fenômeno explica porque os primeiros anos de existência são melhor representados em nossa memória biográfica e, quando nos lembramos deles, parecem ter durado mais. Da infância ao fim da adolescência, vivemos experiências novas a cada momento e aprendemos constantemente. É por isso que as crianças parecem crescer muito mais depressa para seus pais do que para si mesmas. É também por isso que uma viagem de automóvel que parece curta para os adultos, parece interminável para as crianças. Como adultos, nossas vidas se tornam mais rotineiras e a oportunidade de viver experiências que mereçam ser guardadas na memória permanente tende a diminuir.

Embora a existência do fenômeno da percepção relativa do tempo seja plenamente aceita, sua causa ainda é um mistério. A explicação acima é apenas uma das várias explicações que já foram tentadas. Uma explicação alternativa é que a nossa percepção do tempo é controlada por processos biológicos. É sabido que percebemos o tempo passar mais lentamente quanto mais alta é a temperatura. As crianças têm, naturalmente, a temperatura corporal mais elevada do que a dos adultos. Assim, para elas o tempo anda mais devagar. Uma outra teoria — esta de natureza mística — divide a vida humana em oitavas, como as notas musicais. Pode até fazer sentido, mas, em ciência, fazer sentido sem evidências experimentais sólidas não conta muito.

 

Tempo relativo

Como fez Maximilian Kiener, construí a escala que ilustra este texto usando a hipótese de Paul Janet. Assumindo que a metade da vida é aos 40 anos, a escala diz o quanto um ano para quem tem essa idade parece ser para quem é mais novo ou mais velho (cálculo abaixo). Por esse cálculo, um ano na vida de alguém de 40 parece pouco menos de sete meses na vida de alguém de 72 ou três anos e quatro meses na vida de alguém de 12 anos.

O que acontece, então, com a percepção do tempo que fica gravada na nossa memória? Será que os anos distantes vão se encompridando porque o tempo agora parece passar mais depressa à medida em que envelhecemos? Acredito que sim. É só ver gente que passa a vida toda falando de certos períodos de sua existência, quase que invariavelmente na juventude, como se aquele tempo formativo tivesse durado muito mais do que durou na realidade. Ou observar a memória dos velhos, que se lembram melhor de coisas antigas, bem sedimentadas, devido à sua dificuldade de formar novas lembranças.

Com base nessa especulação, pensei em outra escala, que chamei de “escala relativa da percepção do tempo na memória”. A ideia é que os anos mais distantes vão se encompridando na memória à medida em que envelhecemos. Para um adolescente de 14 anos, a percepção subjetiva de um ano transcorrido quando ainda era uma criança de sete anos de idade é equivalente ao dobro do tempo real, ou seja, dois anos. Quando esse adolescente tiver 21 anos, a duração daquele mesmo período parecerá ter sido o triplo, ou três anos. Aos 70 anos, a memória daquele ano distante será equivalente à de um período de 10 anos. E assim por diante. Pelo mesmo raciocínio, aos 70, nos lembramos daquelas férias de julho que marcaram a nossa vida aos sete anos como se elas tivessem durado dez meses.

Comecei o exemplo a partir dos sete anos de idade por uma razão. Embora o tempo passe mais lentamente para uma criança nova, poucos adultos têm na memória lembranças anteriores a essa idade. Aliás, o período anterior aos sete é às vezes chamado de “amnésia infantil”. O que lembramos dele é provavelmente a memória “construída” em nós pelos adultos.

colucci tempo relativo

Essa especulação (e é só uma especulação) me ajudou a entender porque eu e os meus ex-colegas do Colégio Culto à Ciência, em Campinas, falamos do nosso tempo na escola como se ele tivesse durado uma eternidade. É que, para nós, durou mesmo. Na percepção de alguém de 62 anos (a idade média, hoje, da minha turma), aqueles sete anos (na época, quatro de ginasial e três de colegial) são o equivalente a quase 32 anos em nossa percepção atual. [3]

O tempo é implacável, mas vê-lo como inimigo não nos torna mais felizes. Mas podemos fazê-lo mais amigo alterando as nossas percepções. Isso se faz mantendo a mente ativa e sempre aberta a experiências, ideias e lugares novos. Como se ainda fôssemos crianças.

 

NOTAS E REFERÊNCIAS

[1] JANET, P. Une illusion d’optique interne. Revue Philosophique de la France Et de l’Etranger, Vol. I: 497-502, 1877.

[2] KIENER, Maximilian. Digital Interaction. Disponível em: http://www.maximiliankiener.com/digitalprojects/time/. Acesso em: 19 jan. 2018.

[3] A fórmula é:

Tempo aparente = (Tempo transcorrido no passado)*(Idade atual / Idade no passado).

Assim, para alguém com 62 anos de idade:

1 ano aos 11 anos de idade é equivalente a 5.64 anos hoje (5 anos e 8 meses)
1 ano aos 12 anos de idade é equivalente a 5.17 anos hoje (5 anos e 2 meses)
1 ano aos 13 anos de idade é equivalente a 4.77 anos hoje (4 anos e 9 meses)
1 ano aos 14 anos de idade é equivalente a 4.43 anos hoje (4 anos e 5 meses)
1 ano aos 15 anos de idade é equivalente a 4.13 anos hoje (4 anos e 2 meses)
1 ano aos 16 anos de idade é equivalente a 3.88 anos hoje (3 anos e 11 meses)
1 ano aos 17 anos de idade é equivalente a 3.65 anos hoje (3 anos e 8 meses)

Somando, para alguém com 62 hoje, aqueles 7 anos de escola parecem 31 anos e 8 meses.

[4] Para quem quiser se aprofundar na discussão da percepção do tempo, um bom texto, embora bastante antigo, é:

FRAISSE, P. Perception and Estimation of Time. Ann. Rev. Psychol. 35:1-36, 1984
Disponível online aqui.

As referência mais atuais em pesquisa são bastante específicas e, talvez, mais interessantes para os especialistas.

3 Comentários

  1. Desiree Colucci

    Acho que os acelerados avanços de novas tecnologias nos fazem ter a sensação de que o tempo está passando rápido demais. Tudo se torna obsoleto num piscar de olhos.

    Num outro contexto, sempre vale aquela máxima de que “tudo que é bom dura pouco”, enquanto que para muitos 1 minuto preso no elevador equivale a uma eternidade! Parabéns pelo texto.

    Responder
  2. Cristina Blaya

    Muito bom! Uma explicação lógica e bem fundamentada do que faz parte da percepção da maioria de nós.
    Minha conclusão otimista é: curto meu passado compriiiido de boa, e há de me sobrar muito tempo prá fazer o que aparecer, e tentar ser feliz, a cada novo dia, enquanto houver.

    Responder
  3. Helena Maria de Aguiar Godoy

    Gostei muito da sua publicação.
    A sensação é esta mesmo!!

    Responder

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